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Psicanálise

Carta aberta ao analista

Carta aberta ao analista (do paciente para o analista)

Caro analista, 

Essa carta não é algo definitivo. Com certeza não é. Mas, é algo que gostaria de dizer a você e a algum outro que por ventura ler essa carta. Talvez somente eu pense isso, talvez não. Talvez ajude, talvez seja só uma pretensão minha – algo não analisado? Agora não saberei dizer.

Primeiro eu quero agradecer por todo processo porque devido a ele, inclusive, eu pude escrever essa carta e expressar, ainda que por escrito, sentimentos e observações que fiz nesse processo.

Caro analista, quando uma pessoa procura você e pergunta se você pode ajudar, algumas delas certamente não estão te perguntando se você vai pagar os boletos dela, ou falar por ela algo que ela não está conseguindo, ou ainda, pegar em sua mão e conduzi-la de forma cega. Ela quer acolhimento porque está doendo o que está dentro dela. Ela quer sua escuta atenta. Ela quer a ajuda de ter um lugar seguro para sentar e chorar sem ser julgada ou apressada. Ela quer alguém vivo e afetivo junto.

Quando alguém lhe disser:

“Não entendi o que você disse”, nem sempre será por conta da resistência. 

É que, muitas vezes, suas palavras são desconhecidas para pessoas que não são da área ou ainda, elas tem um sentido que não é o popular. Quando disse que “não entendi” eu quero me aproximar do que está acontecendo ali naquele momento, e não ao contrário. Quero que as palavras façam tanto sentido para mim que se tornem minhas, ou eu as sinta como minhas. Quero sentir-me entendido.

Quando eu questiono alguma norma do tratamento, meu analista, uma possibilidade que deveria ser considerada é que eu quero de fato pensar junto o que significa para nós aquela combinação e não colocar em risco nosso vínculo terapêutico. Ah, e tem outra sobre a questão do vínculo: quando, vez ou outra, eu perguntar como você está depois de alguma sessão que você desmarcou, por exemplo, eu posso ter ficado preocupado porque tem afeto nessa relação. Juro que não imagino – nem quero!!! – que você irá me contar sobre suas intimidades.

Meu analista, não quero aula na minha sessão, mas sentir que você sabe o que está fazendo é algo que transmite segurança. Não quero conselhos, nem quero que me diga “que tudo ficará bem” – porque talvez não fique – mas, sim, quero alguém próximo, humano, alguém que, errando – porque sendo humano, irá errar – não tenha nenhum problema em dizer que “pisou na bola”. Eu vou te admirar. Mais uma coisinha, dizer “não sei” é zero problema, viu? Essa pinta de quem sabe tudo, cansa bastante, a mim e certamente a ti também. 

Analista não deve ser um trabalho fácil, tenho certeza. Fico imaginando o tanto que você estudou e estuda para estar nesse lugar. Admiro tanto! 

Mas, uma coisa que aprendi com a psicanálise é que ela é afetiva e isso não a deixa menos neutra ou ética. Psicanálise é sobre a vida de todo mundo, ela se implica, ela é uma experiência que se vive a dois. Ou seja, meu analista, a Psicanálise não é cinza, sisuda e enigmática, isto é outra coisa. E se tem algo que aprendi é que, Psicanálise é sobre relação – essa poderosa experiência que nos torna humanos de verdade.Sendo assim, não me deixe sozinho na minha sessão.

E mais uma vez, obrigada!

ATENÇÃO: Essa carta é um texto ficcional.

não sei…

Quando eu era estudante de psicologia um dos momentos que eu mais temia era o que eu teria que assumir ou dizer: Não sei!

Um verdadeiro pavor dessas duas palavrinhas.

Especialmente pelo que eu entendia que elas representavam para mim: não saber era assumir um defeito, um problema que eu tinha, algo grave e feio. Parecia sinônimo de alguma fraqueza, fosse do meu estudo, fosse do meu empenho.

Desesperador esse não saber.

Havia treinos para evitar essa “saia justa” impensável, como por exemplo: se a banca do trabalho final de graduação perguntasse 

“Por que você não usou autor X?”, 

“Por que escolher esse tema e não o outro?”, 

“O que você pensa sobre a ideias do autor Y?”, 

ou ainda, frente a pacientes ou pais de paciente,

 “Por que isso está acontecendo?”, 

“O que ele tem?”, 

“Quantas sessões vai levar tudo isso?”. 

Perguntas e “saias justas” as quais não findaram com o término da graduação. 

Ao contrário, elas seguiram pelo mestrado, doutorado, formação, pela minha prática clínica quase diariamente. 

E o que fazer com o “não sei!”?

Com ele, nada.

Comigo, fiz bastante coisa.

Gradativamente, fui construindo dentro de mim referências sobre o que eu estudei, sobre o que eu faço, sobre o que gosto, sobre quem eu sou. Como eu digo, fui ficando confortável na minha própria pele. Estudar, se tratar, supervisionar, clássicos que não são nada clichês. Hoje, eu coloco um quarto elemento nesse tradicional tripé: viver. Isso mesmo, viver a sua vida, gratificar-se com encontros, festas, viagens, arte, amigos, amor.

O caminho vai se fazendo. O “não sei” segue nele. 

O que muda não é sobre saber ou não, é outra coisa: é se dar por conta que não se saberá tudo nunca. Óbvio? Não, realmente não. Tanto não é que, para você poder usar essa expressão é necessário sentir-se bastante seguro porque você não saberá e isso também será importantíssimo para seu trabalho e para a sua vida.

Dizer “não sei.” passa ser algo tranquilizador, e, simultaneamente, algo potente. Não é mais um demérito. 

Você pode dizer que “não sabe” porque, finalmente, você aprendeu que, em qualquer campo da vida, saber tudo, além de impossível, é intragável.

Forma certa X Forma errada de estudar psicanálise

Primeira coisa para começar esse texto: Não é sobre formação em psicanálise.

Segunda coisa, vamos ao texto!

Tem muitas formas erradas de estudar psicanálise e isso pode ser visto todos os dias. Darei alguns exemplos disso e, pode ser, que você se identifique com alguns:

ler os textos de Freud porque é obrigado;

tentar entender sozinho os textos freudianos;

perder de vista o momento sócio-histórico em que os textos foram escritos;

querer comparar psicanálise com psiquiatria;

usar jargões sobre as ideias freudianas;

não conseguir enxergar a aplicabilidade da psicanálise;

não ler as notas de rodapé.

Gente! Poderia seguir aqui com uma lista gigante com itens que vão criando um verdadeiro “ranço” de estudar psicanálise.

Eu entendo que existe uma forma certa de estudar. Pelo menos, eu achei a minha forma certa de estudar essa teoria de compreensão profunda da psique humana que é a Psicanálise.

Vamos aos fatos:

#1 Estudar é diferente de ler: Ler é um primeiro passo para quem quer estudar. Você começa lendo, depois precisará ler novamente e em um terceiro momento, você buscará suas dúvidas dentro do texto, insights e pesquisará conceitos ou palavras que você não compreendeu.

#2 Pensar: Depois que a gente começa a estudar Freud é inevitável que muitas questões irão emergir em nossa mente. Você quer entender mais e em maior profundidade porque as ideias dele são revolucionárias até os dias de hoje. E nesse ponto do estudo, em que você precisa pensar sobre, acredito que é fundamental a orientação de algumas discussões sobre os textos. Costumo chamar isso de leitura orientada, que é algo muito comum em grupos de estudos. Esse momento, mais coletivo, é um divisor de águas no processo de estudo.

#3 Ver: Com uma base teórica em construção, uma das formas que mais me agrada e me ajudou a estudar psicanálise é poder VER onde esses conceitos todos estão na nossa vida. Ou seja, exemplos práticos. Do meu ponto de vista, isso faz TODA a DIFERENÇA. E quando digo exemplos, refiro-me a eventos realmente cotidianos porque a vida é feita de pequenos momentos, os grandes são mais pontuais.

Uma queixa muito comum, que foi inclusive minha quando comecei a estudar psicanálise, é: mas onde eu vejo isso no meu dia a dia? Embora essa questão tenha várias camadas, irei abordar aqui uma delas, a qual diz respeito a uma certa elitização da psicanálise, ou seja, os fenômenos dos quais ela falava diziam respeito a uma parcela muito específica de uma população. Isso, para mim, não é verdade. E através de exemplos corriqueiros dos conceitos puder entender, me aproximar, sentir-me incluída e, ainda, motivou-me a estudar ainda mais.

E o resultado prático disso? Sentir-me uma profissional competente e ética com minha proposta de escuta clínica.

Então, tem jeito certo?

Para mim, sim!

E o que você acha disso?

A psicanálise está na vida: vou te mostrar

No fim dos anos 1800, início dos anos 1900, um jovem, ambicioso e promissor neurologista despontava com suas descobertas em uma Europa tradicional. O nome desse médico era Sigmund Freud.
Freud “brincou” que ele trouxe a praga, mas de que praga ele falava? De um conhecimento que não tem retorno: conhecer o inconsciente, logo, conhecer a si mesmo de uma forma nunca antes registrada.
A tal praga nos tira da ignorância sobre nós, sobre nossos processos psíquicos, sobre a sociedade, sobre a vida e a morte. É uma porta de entrada que só nos leva a outras novas portas – e isso é incrível!

A psicanálise originalmente poderia ser definida dessas três formas: como um procedimento para investigação dos processos mentais; um método baseado nessa investigação para o tratamento de transtornos neuróticos; e, uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que se somam, umas às outras, para formar um disciplina científica.

A palavra psicanálise tem origem na química, significando em sentido amplo, análise de partes psíquicas. Hoje, todos esses conceitos seguem evoluindo e a psicanálise é um tratamento muito mais amplo do que foi no seu início, abarcando os mais diversos quadros de sofrimento e personalidade.

Até aqui, provavelmente pouca ou nenhuma novidade e você pode estar pensando:
Tá, mas e aí?
Onde isso tudo aparece?
Vou mostrar alguns exemplos muito cotidianos de onde a psicanálise está e você talvez não tenha percebido.

Vamos começar pela início da vida.
Quando o bebê ainda é bem pequeno e precisa muito de um cuidador devotado, o bebê não sabe que existe tudo isso em torno dele, as coisas aparecem para ele. Como por exemplo, o leite. A isso chamamos de onipotência que será um lastro fundamental para a personalidade.

Quando a criança brinca de jogar coisas para longe dela ou brinca com um adulto de sumir e aparecer (com um paninho na frente do rosto, sabe?), isso é uma aquisição fundamental para compreender, controlar e elaborar ansiedades.

E ao redor dos 4 anos em que meninos e meninas olham com deslumbramento para suas figuras parentais e desejam ser como eles e ficam tomados de ciúmes quando são preteridos? Logo, logo, ao redor dos 5 anos, irá aparecer o medo de dormir sozinho. Sabe como tudo isso se chama? Complexo de Édipo.

Imagine que você está chegando em casa depois de um dia bastante cansativo, está irritado, mas devido a sua personalidade lidar com sentimentos negativos é difícil. Então, você olha para seu/sua parceiro (a), de forma desconfiada, e diz: “Ihhhhh, você está estranho hoje!” Essa situação muito típica, é um mecanismo de defesa bastante básico. Chama-se projeção.

Você já se apaixonou pelo seu professor? Idealizou sua médica? Teve certeza que somente sua psicóloga lhe entendeu na vida? Isso acontece com todo mundo e chamamos de transferência.

Está bastante popular a expressão “síndrome da impostora”, já ouviu falar? Se não, já sentiu que se cobra muito, nada é o suficiente, ou, ainda, por mais que se esforce teme que não conseguirá? Isso soa familiar? Freud já escreveu sobre isso, e isso foi no início dos anos 1900, quando ele demonstrou os conceitos de ideal de ego e ego ideal.

E aquela escolha “errada” de parceiro ou parceira? Sabe aquela história de “sempre escolher quem te sacaneia”? Algumas pessoas chamam isso de forma jocosa de “dedo podre”. A psicanálise explica isso também? Sim, chamamos de compulsão à repetição.

Doenças que se associam a estados emocionais, conhecidas como psicossomáticas, nas quais o corpo vira palco de um estado de sofrimento ainda não nomeado e difícil de ser expresso por outras vias. A psicanálise nos mostra como ocorrem esses caminhos dentro do psiquismo dos sujeitos.

Trocou o nome de uma pessoa?
Esqueceu algo importante?
Sonha?
Desde que somos muito pequenos, até mesmo antes de nascermos, há uma história que nos permeia e conta sobre quem somos e por que razão somos da maneira que nos apresentamos. E a psicanálise não fala nada além disso:, de toda essa complexidade que envolve os dias mais banais de nossas vidas.

CURSO Online

Há anos eu estava inquieta com a ideia que ouvia frequentemente:

“Não dá pra entender a Psicanálise, ela é muito subjetiva!”

Sim, ela fala sobre a subjetividade. Mas, o que isso quer dizer? Quer dizer que não é possível entender? Que é para poucos?

NÃOOOOO!!!!

A Psicanálise é uma experiência que nós estudamos (e muito!) e podemos ver ela na nossa rotina porque ela é sobre a VIDA COTIDIANA, ou seja, é sobre a vida de todos nós.

Foi com essa ideia que comecei a fazer os cursos sobre Psicanálise e o mais novo é o A PSICANÁLISE PELOS TEXTOS DE FREUD, no qual eu trago vários textos fundamentais de Freud de forma comentada, embasada e leve.

O curso tem:

12 Aulas gravadas

2 Aulas síncronas (a serem agendadas)

Caderno e slides

Certificado

Didático e consistente

1 Ano de Acesso

PSICANÁLISE SEM RANÇO!

Acessa esse link: https://bibianamalgarim.com/textos-freud/

Cobrança de Honorário na prática psi

A da cobrança de honorários pelos psis (profissionais ou estagiários) é uma questão desde que me conheço por psi também! Ou seja, há tempo! Em 2013 uma das minha estagiárias, na época, dedicou-se a estudar esse tema um pouco mais e escrevemos um artigo. Ele não é novo, pois foi escrito há 9 anos, mas se você for parar para pensar: será que muita coisa mudou sobre esse tema?

Segue o resumo do artigo, cujo nome é: A COBRANÇA DE HONORÁRIOS DURANTE O ESTÁGIO EM PSICOLOGIA NAS CLÍNICAS ESCOLA.

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo relacionar a contratação de honorários como parte integrante na formação acadêmica porquanto a realização de um estágio em clínica-escola. Para tanto, os dados bibliográficos propostos para discussão apontam para a compreensão do significado da cobrança de honorários durante a prática terapêutica e como esta questão pode contribuir para a valorização do profissional que esta se formando em Psicologia. Assim, utilizaram-se algumas obras que nortearam para a discussão de honorários, todavia a literatura ainda mostra-se frágil quando traz à tona a questão da cobrança quando se relaciona à clinica-escola visto que os serviços prestados mostram-se na maioria gratuitos ou o pagamento é realizado para funcionários da instituição (clínica-escola).

Já ouviu falar de Sigmund Freud?

Freud foi um médico que pesquisou muitas coisas na área da medicina, farmacologia, etc., mas sem dúvida sua mais incrível contribuição para a humanidade foi a PSICANÁLISE. Tudo começa com a criação, por Sigmund Freud, na virada do século 19 – 20 marcada historicamente com o texto clássico A Interpretação dos Sonhos. Esse texto, que compõe um livro inteiro, Freud demostra como a sua técnica entendia o processo do sonho e introduz vários conceitos fundamentais para a Psicanálise.

Para ele, a psicanálise poderia ser definida da seguinte maneira:

  1. Um procedimento de investigação dos processos mentais;
  2. Método baseado nessa investigação para o tratamento de transtornos neuróticos;
  3. Nova disciplina científica;
  4. Pilares teóricos: inconsciente, Complexo de Édipo, repressão, resistência, transferência e interpretação.

Vale lembrar que esses conceitos que estou citando acima dizem respeito ao momento em que a Psicanálise começou, ou seja, de lá para cá alterações nessa concepção foram feitas, tais como cito no segundo item. Mas, isso com certeza merece mais tempo e espaço para explanarmos.

De qualquer forma, até hoje a Psicanálise é uma prática, é uma teoria, é uma ética. Seja qual for o adjetivo usado para a descrever, o fato é que, quem a experimenta, transforma-se.

You: O que é amor?

Atenção! TEXTO COM SPOILER!

Amor é uma palavra poética em si mesma. Há literalmente infinitas formas de amar. Contudo, quando o amor pode machucar? E se machuca, podemos chamar de amor?

Na Série da Netflix, YOU, Joe vem mostrando como ele entende o que é amor. Uma noção bastante complicada, diga-se de passagem. Joe é um homem que escolhe sua parceira baseado no que ele mesmo descreve como “padrão” – na linguagem psicanalítica seria compulsão a repetição – e dentro dessa lógica ele tenta “arrumar” a vida da parceira escolhida. Muito onipotente, ele entende que consegue consertar o que julga que atrapalha o caminho da relação idealizada. Marcadamente observamos uma psicopatia severa.

Joe é um livreiro que possui uma história de violência, abandono e institucionalização. As lembranças desse passado vão aparecendo no decorrer dos episódios, como um contexto para seus pensamentos e suas ações. Não sei se é coincidência ou se foi proposital, mas quando Joe se torna pai, na terceira temporada, esses flashes se tornam mais frequentes

O que Joe descreve como cuidados, atenção e amor incondicional logo passará a ser sentido e visto pelas parceiras como o avesso disso: intrusão, descuidado e, claro, violência. Os desfechos são trágicos.

Na primeira temporada fica mais difícil ter empatia por Joe. Já nas demais temporadas, segunda e terceira, a série brinca com o espectador fazendo você oscilar na “torcida”. Essa oscilação parece mais intensa especialmente na terceira temporada porque Joe tem um filho e com esse bebê ele claramente demonstra o que vemos cotidianamente nas pessoas: somos muitos, temos muitas facetas, somos irredutíveis a um rótulo. Ele ama seu filho. Entretanto, a terceira temporada é intensa e tem toques de comédia interessantes.

O que Joe entende por amor é algo que leva suas parceiras a sumirem – e isso pode ser bem literal. É um estado de relação na qual um pressupõe que sabe tudo o que o outro quer e precisa, desconsiderando a individualidade deste outro. Seria um amor que não enxerga o/a parceiro/a subtraindo-lhe a condição de diferenciação, de frustração e de confiança. Em teoria, Joe faz o que faz pela felicidade integral da parceria, por You (você), na prática, Joe busca um controle absoluto que garanta a ele nunca ser abandonado – custe o que custar.

A Psicanálise na Universidade: Como e para que?

Em 1919 Freud escreveu um texto chamado “Deve-se ensinar a Psicanálise nas universidades?” no qual ele aponta se a Psicanálise é para a universidade. Se considerarmos que a formação para psicanalistas é orientada para o que se chama de tripé analítico – estudo, supervisão e prática – o ensino da psicanálise é bastante restrito no contexto universitário. Freud afirma dos ganhos que os profissionais teriam ao estudar essa ciência, entretanto, ao fim do texto ele afirma “o estudante de medicina jamais aprenderá a psicanálise. […] é suficiente que ele aprenda sobre e com a psicanálise…” (p.381, 1919/2010).

O ponto é: os cursos universitários formam psicanalistas? Não, não formam. O objetivo da maioria dos cursos de graduação atualmente, se não todos, é uma formação generalista – o que se opõe a uma formação profunda em algo, como a psicanálise. Então, o que se aprende em um curso de Psicologia, por exemplo? Para que a psicanálise na graduação?

Farei uma metáfora para exemplificar:

Quando o bebê nasce você não oferece uma maçã para ele. Com o passar dos meses você oferecerá o suco da maçã; mais meses se passam, a maçã em forma de purê; em seguida um pedaço da maçã, o qual o bebê irá brincar, cheirar e sentir a textura da fruta. A criança, enfim, recebe a fruta maçã, tal como é: irá comer ou brincar? Ou ambos? Adulto, a maçã se transforma em sofisticadas receitas.

Na universidade o que se oferece é o suco. É tudo que pode ser uma maçã? Nunca. Não é maçã? Sim, é, mas com toda certeza é uma ideia bastante básica de tudo o que a fruta pode oferecer e ser. Para que ela é oferecida? Porque é uma prática consagrada pela sua relevância clínica, pela condição de compreensão de processos complexos típicos do humano, pela prática como uma via de pesquisa que se dá no campo – no setting –, da prática para a teoria, e não o contrário, etc. São muitas as razões.

E então, você provou dessa fruta?

Referência:

Freud, S. História de uma neurose infantil (“O homem dos lobos”): além do princípio do prazer e outros textos (1917-1920). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

A Introdução do livro Psicanálise e Resiliência – Capítulo 1

Pensei em compartilhar com vocês o Capítulo 1 Introdução do nosso livro Psicanálise e Resiliência! Isso porque o capítulo conta como o livro foi pensando e também apresenta todos os capítulos dele! Confere e me conta o que achou!

Se tiver interesse em adquirir, pode entrar em contato comigo pelo e-mail bmalgarim@yahoo.com. ou pelo meu Whastapp (51) 982095051. Nosso livro foi editado pela Editora Zagodoni.

Capítulo 1: Introdução

Por que estudar e entender sobre Resiliência? Por que seguir estudando Psicanálise? E como esses dois conceitos se relacionam? Como a Resiliência tem sido entendida e estudada pela Psicanálise? Em que casos ou situações a Resiliência pode ser percebida?

Essas questões todas, e provavelmente muitas outras, motivaram a escrita desse livro que hoje está materializado nessas folhas. Trata-se de questões todas muito complexas, igualmente profundas e com inúmeras possibilidades de respostas. Dessa forma, o que buscamos apresentar nesse material são algumas alternativas de caminhos para essas respostas, frente as quais cada um poderá buscar outras alternativas, através de seu estudo e de sua prática clínica.

O livro “Psicanálise e Resiliência” começou a ser pensado de maneira muito latente ainda quando a organizadora, Bibiana G. Malgarim, desenvolvia sua pesquisa de Doutorado, cujo tema era justamente esse. Através das pesquisas teóricas, diversas dúvidas se agregaram e a pesquisa se tornou ainda mais complexa, intensa e menos propensa a encerrar-se com o término do Doutorado. Esse último ponto em tudo tem a ver com as características próprias à ciência e à Psicanálise: seguir contemporânea ao tempo em que vive.

A partir dessas inquietações, surgiu o desejo de materializar a obra. Para isso, a Profa. Daniela C. Levandowski, que já havia orientado pesquisa sobre o tema e tem experiência em publicação científica, foi convidada a contribuir na tarefa de organização. Após isso, autores de diferentes âmbitos de atuação, filiados a diferentes instituições, reconhecidos por suas produções na Psicanálise e, particularmente, pelo estudo da Resiliência, foram convidados a contribuir com capítulos de caráter conceitual e/ou aplicado. Este livro, portanto, é fruto de um esforço coletivo, uma produção tecida por muitas e diversas mãos.

O livro está dividido em três grandes seções: na primeira delas, o tema da Resiliência é explorado através do seu conceito e as relações que estabelece com a Psicanálise. Para tanto, apresenta-se cinco capítulos que veiculam ideias que se complementam no entendimento da noção do que é Resiliência dentro da perspectiva psicanalítica. Na segunda seção, apresentamos seis capítulos, todos igualmente interessantes e originais, os quais versam sobre a Resiliência no contexto da clínica psicanalítica, o que pressupõe diferentes facetas da escuta clínica. Por fim, na terceira seção, são apresentados dois capítulos nos quais se visualiza a relação entre Resiliência e saúde, com enfoque em situações específicas de saúde, a partir de dados de pesquisas realizadas em nosso meio. Nas três seções é possível constatar o cuidado dos autores em, a cada início de capítulo, apresentar a perspectiva conceitual com a qual estão trabalhando, especialmente no que diz respeito à resiliência – conceito amplo e frequentemente empregado de maneira superficial e inconsistente.

Compondo a Seção 1, no Capítulo 2, intitulado “Por que a Resiliência: Um Panorama Geral e Conceitual”, encontramos uma explanação de por qual razão estudar e compreender o conceito de Resiliência dentro da perspectiva psicanalítica, assim como uma introdução sobre o tema, o que auxiliará na leitura dos capítulos subsequentes. No Capítulo 3, “Resiliência na Psicanálise: Uma construção psíquica” a interlocução entre a Psicanálise e a Resiliência fica ainda mais explicitada, pois, além do resgate das noções de trauma e traumatismo, também encontradas no Capítulo 2, aborda-se a compreensão de autores franceses contemporâneos sobre o tema, com destaque para o conceito de vulnerabilidade e a importância da relação mãe-pai-bebê no processo de constituição psíquica e, por conseguinte, de resiliência do indivíduo.

O Capítulo 4, intitulado “A Força da Resiliência frente ao Traumático: Conceitos e Reconfigurações”, aborda diferentes concepções e significados de resiliência encontradas na literatura, tendo como pano de fundo o contexto de trauma psíquico, uma vez que a resiliência permite entender as respostas dos indivíduos frente a eventos adversos da vida, em especial os eventos traumáticos.

No Capítulo 5, intitulado “A Mentalização como um Fator de Resiliência”, os autores discorrem sobre um conceito bastante importante, mas ainda pouco explorado na Psicanálise, que é o de mentalização. A partir da teoria psicanalítica das relações objetivais e da vertente psicanalítica contemporânea da teoria do apego, nesse texto os autores refletem sobre a possibilidade de o funcionamento reflexivo de um indivíduo, ou, dito de outro modo, sua capacidade de mentalização, ser um vetor capaz de promover resiliência. Para tanto, o papel do trauma na trajetória desenvolvimental do indivíduo e na capacidade de mentalização e resiliência também é abordado.

Iniciando a segunda parte do livro, que trata das interconexões entre resiliência e prática clínica, o Capítulo 6, “Entre o trauma e a resiliência: Os percursos do narrar em Psicanálise” apresenta um fator fundamental na composição da Resiliência, que também é condição para a prática clínica: a possibilidade de narrar, isto é, de construir narrativas sobre acontecimentos traumáticos. A narrativa é uma ação presente na história da humanidade, assim como na própria Psicanálise, e é através dela que o sujeito e o coletivo de sujeitos, a cultura, pode atribuir sentidos às experiências, vivências, dificuldades e sofrimentos.

No Capítulo 7, “A Vida Secreta e a Aparente de Karen”,  apresenta uma personagem a qual fusiona em sua existência partes diversas de analisantes do autor. O capítulo lembra um conto, ou poderia ser também um sonho ou caso clínico em torno dos temas da resiliência e da monogamia.

No Capítulo 8, intitulado “A Resiliência e a Escuta do Trauma”, as autoras, a partir de relatos de pacientes de um programa destinado ao atendimento precoce de pacientes que vivenciaram situações traumáticas de natureza diversa, refletem sobre as possibilidades de escuta e acolhimento dessas narrativas. Destacam a relevância das experiências do sujeito com o ambiente, incluindo aí as experiências intersubjetivas, especialmente a partir de aportes de Sándor Ferenczi e Donald Winnicott. Pautadas nesses aportes, pontuam, ao longo do capítulo, características importantes para o trabalho clínico com pacientes, cujas vidas foram perpassadas por vivências traumáticas.

Já no Capítulo 9, A Matriz da Resiliência, as autoras dedicam-se a apresentar alguns pressupostos teóricos sobre a constituição física e psíquica que ocorre no período fetal, destacando a importância do ambiente-mãe nesses processos que, segundo elas, constituiriam a base da matriz da resiliência. Com base nisso, relatam um atendimento no qual a intervenção psicanalítica a uma gestante em situação de risco possibilitou a manutenção da vida do bebê e, com isso, da matriz da resiliência.

O último capítulo da Seção 2, intitulado Resiliência, Psicanálise e o Processo de Supervisão de Pacientes de “Difícil Acesso” (capítulo 10), aborda o tema da Resiliência na Psicanálise a partir de uma perspectiva diferente: a resiliência do psicoterapeuta. Nesse sentido, as autoras tecem uma reflexão sobre o campo da supervisão, envolvendo o analista, o supervisor e os denominados “pacientes de difícil acesso”. Com isso, buscam compreender aspectos presentes na relação analista-supervisor, destacando a possibilidade de pensar esse espaço como uma oportunidade com potencial para o desenvolvimento da resiliência do terapeuta.

Iniciando a Seção 3 do livro, que tem como foco a Resiliência e a Saúde, são apresentados dois capítulos derivados de pesquisas realizadas no contexto gaúcho, envolvendo pacientes portadores de condições de saúde física diferentes, ambas bastante complexas, e seus familiares. Um deles, intitulado “Trauma, resiliência e ressignificação: Um olhar psicanalítico sobre os cônjuges de pessoas com câncer” (capítulo 11), tem como foco analisar a perspectiva dos cônjuges sobre a doença oncológica dos(as) seus parceiros(as). Essa vivência é entendida como potencialmente traumática. As autoras refletem, então, sobre as possibilidades de ressignificação da doença por intermédio do conceito de resiliência.

Por fim, o capítulo 12, intitulado “Trauma e Elaboração em Pacientes após a Internação na UTI”, articula as concepções de Freud e Lacan sobre o trauma para compreender as vivências de pacientes após a internação em uma Unidade de Terapia Intensiva e suas possibilidades de elaboração e (re)significação a partir da noção de resiliência. As autoras entendem essa experiência de internação como potencialmente traumática, devido ao estado de saúde crítico e de risco à vida que esses pacientes apresentam.

Sendo assim, a partir dessas diferentes contribuições teóricas, clínicas e de pesquisa, aportadas nesses capítulos por autores com experiências profissionais diversas, embora sempre fundamentadas na Psicanálise, espera-se que esta obra possa contribuir para a continuidade das reflexões sobre Resiliência nessa vertente teórica, dado o potencial desse construto para a promoção da saúde e da qualidade de vida dos indivíduos e seus coletivos.”

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