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Arquivos Infância - Bibiana Malgarim

NÃO É PARA CRIANÇA: Limites

Comecei a pensar sobre o tema O QUE É CONTEÚDO PARA CRIANÇA e o que NÃO É a partir de uma polêmica com o show da Mc Pipokinha (conhece?). O texto não é sobre ela porque o assunto a precede em décadas, quiçá séculos. Talvez o texto seja sobre LIMITES e o quanto eles estão borrados para nós, sociedade.

Como psicóloga especializada na área da infância escuto sistematicamente a queixa sobre até onde e de que forma se estabelece limites sobre os conteúdos aos quais as crianças têm acesso. E de fato, é um problema muito grave isso por duas razões iniciais:

  1. Há muito conteúdo disponível em várias formatos e locais
  2. Os pais estão confusos e (seguem) culpados.

Com as diversas plataformas de conteúdos que temos disponíveis, os jogos, desenhos, filmes, etc. e a cultura de que as crianças muito pequenas podem ter acesso a smartphones e tablets – e quando falo muito pequenas, são realmente pequenas, bebês! – as crianças são invadidas por uma intensidade enorme de estímulos para os quais elas não tem condição de mediar e avaliar, e o que ocorre é que elas simplesmente vão ficando excitadas pelas telas, seu humor vai ficando irritado, a memória e outros aspectos cognitivos subdesenvolvidos e assim por diante, até uma explosão sintomática. 

O que falta aqui? Limite. 

Uma criança NÃO pode ter para si de forma liberada conteúdos da internet porque ela é IMATURA para lidar com a intensidade dos estímulos e o conteúdo deles. 

E é nesse segundo ponto que entrou a Mc Pipokinha – muitos conteúdos são produzidos com características infantis, nomes no diminutivo, roupas, brinquedos, dentre outras características que remetem à infância, porém NÃO são conteúdos apropriados para crianças e quem deve mediar isso? Sim, você acertou! Os pais. 

Eu sei que é difícil, porque os celulares já viraram uma parte do corpo humano há algum tempo – você certamente está lendo isso do seu smartphone – e a questão dos limites é para todos, especialmente para quem precisa, não só dar exemplo, mas também estar presencialmente conectado com o miúdo ou miúda tão desejado e que está aí, ao seu lado.

Então, recapitulando:

Se você não permite que seu filho ou filha seja exposto a conteúdos violentos ou pornográficos na escola, por exemplo, por que permitiria dentro de casa?

Geração C

Não sei como começou a nomenclatura das gerações, mas nessa lógica estava pensando sobre a geração de bebês e crianças pequenas que nasceram e cresceram durante o período da Pandemia de Covid_19. Daí meu título, a Geração C.


Em uma ocasião em que eu estava em uma fila aguardando, à frente havia um pai com uma bebê no colo que devia ter em torno de 6 meses e havia umas duas mulheres que falam com os dois elogiando e fazendo gracinhas para a pequena. A cena parece típica, mas não é – ou não era! – porque ambas as mulheres estavam de máscara, assim como o pai, o que fazia com que a bebê só ouvisse suas vozes e enxergasse os olhos, não tendo noção da expressão total do rosto daquelas pessoas.

Essa cena me levou a pensar muito sobre como esses bebês irão construir essa Gestalt do rosto das pessoas, como elas irão registrar as expressões e identifica-las com o tempo, uma vez que metade do rosto passou a ficar escondida do olhar. Isso é relevante para um bebê que nasceu no fim de 2019 ou início de 2020 uma vez que estamos falando de toda a sua vida.

Já em outra perspectiva, mas ainda sobre a máscara, a Geração C de crianças parece não se incomodar com o uso dessa proteção como os adultos ainda se incomodam. É igualmente interessante reparar como a máscara passou a ser um objeto de vestuário rigorosamente habitual para os pequenos, não há nenhuma ansiedade em retira-la como vemos os adultos fazendo tão logo possam. Os miúdos usam a máscara como usam sapatos. Estão ok com isso, faz parte e já entenderam que esse objeto faz parte da vida deles.

Ainda há aqueles que sentem falta de ver o rosto por inteiro das pessoas. O que de fato, no meu julgamento, é muito relevante. Há os que ficam angustiados quando enxergam pessoas sem máscara. Temos ainda os miúdos que desenvolveram uma ansiedade mais elevada a qual se expressa em certa dificuldade no contato social ou em medos de contaminação. Também há miúdos e miúdas que estão bem simplesmente.

Para mim ficam muitas dúvidas sobre como a Geração C foi e ainda é subjetivada por esse momento que para nós, adultos, foi tão atípico só que para ela, foi e ainda é, somente a vida que conhecem e que vivem.

Casa das Estrelas: A verdade na voz de crianças

43487668_2043751682343462_3820903821073186816_oOntem consegui ter em mãos o livro “Casa das Estrelas” de Javier Naranjo, um professor colombiano que colecionou, a partir de suas relações de troca com seus alunos, definições sobre as mais diversas coisas da vida. Há definições morte, mãe, criança, solidão, professor, alma, etc. Todas elas são uma venda que cai dos olhos de adultos que, como eu, complicam tudo a tal ponto, que não consegue mais enxergar de maneira objetiva e poética simultaneamente. Não há rodeios para dizer de maneira certeira!

A linguagem infantil possui uma riqueza impar e reúne em si, uma forma de olhar tão particular que nos impressiona. É estranho ignorar o que as crianças têm a dizer, é negligente, na verdade. Sua voz precisa ser ouvida em todas as esferas para que possamos efetivamente aprender sobre e com elas.

Certamente, se você pegar esse livro nas mãos, você o lê inteiro, e não porque ele seja curto ou simples, e sim porque ele é incrível. Além das definições (uma mais linda, intensa, triste ou engraçada que a outra) as ilustrações do livro são outro convite! Dá uma olhadinha em algumas dessas riquezas:

Mãe: A mãe é a pele da gente. (Ana Milena, 5 anos)

Criança: É brinquedo de homens. (Carolina Alvarez, 7 anos)

Instante: É a única coisa que alguém pede a uma pessoa. (Leidy Johana Garcia, 10 anos)

 

Fonte: Naranjo, J. (Org.) Casa das Estrelas: O universo pelo olhas das crianças. Ed. Planeta.

Sobre a violência contra criança pelas lindas palavras da colega Luciane

“Hoje de manhã, indo para o consultório, eu escutava na Radio Gaucha – Ao Vivo uma entrevista com o delegado responsável pelo caso da menina Naiara, de Caxias do Sul. Ter contato com o relato foi me deixando triste e cada vez mais nauseada, com um nó no estômago e na garganta. Disse para mim mesma que não deveria estar ouvindo os detalhes sórdidos relatados pelo delegado, passei a imaginar as cenas, me colocar no lugar impossível e enlouquecedor da vítima. Se eu, adulta, psicóloga, fiquei deste jeito, não consigo nem alcançar o pânico e o sofrimento que esta pequena passou com seu algoz. O nó na minha garganta nela fez-se em gritos inaudíveis de socorro.
Todo relato de estupro e abuso mexe com a gente, é humano e natural, somos criaturas empáticas (alguns mais, outros menos). Mas o que mexeu comigo também foi escutar o delegado se referir a este crime da seguinte forma: “após a relação sexual (…) antes da relação sexual que ele teve com ela”. Bah, isso mexeu demais comigo. Não acredito que o delegado use estas palavras por mal, talvez ele nem se dê conta da forma como isso reverbera. Mas palavras têm poder, poder de significado, de dar sentido às coisas e guiar o modo como percebemos e compreendemos o mundo. O que o abusador teve com Naiara não foi uma relação sexual, foi estupro, foi abuso sexual, jamais relação.
Relação diz respeito a uma troca, por exemplo, eu tenho relações sexuais COM alguém, é entre, é uma troca em que duas pessoas plenas de suas faculdades mentais consentem em relacionar-se. Dentro desta linha de raciocínio, um estuprador não mantém relações sexuais COM sua vítima, ele, num ato perverso, subjuga a vítima, faz dela seu objeto de desejo, ele não estupra COM a vítima, não há relação, não há entre e muito menos troca.
Desfaço o nó na minha garganta escrevendo isto, de modo que as palavras possam ser repensadas e elaboradas, pois palavras são incrustadas de significado, guiando a forma como os fatos são compreendidos. O que podemos pensar sobre o sentido de usar o termo relação sexual, é que este termo traz consigo o significado de troca e consentimento, e no caso de um crime sexual o lugar da vítima pode ficar dúbio e questionável, como muito se vê em manchetes noticiadas pela mídia sobre estupros e abusos sofridos por mulheres, por exemplo.
Não existe relação sexual entre um adulto e uma criança pois isto é impossível, a criança não tem maturidade suficiente (psíquica e fisicamente) para se relacionar desta forma com ninguém. 
Dito isto, que sigamos transformando o luto em luta, sempre.”

Luciane David, publicado no Facebook dia 22 de Março de 2018.

Quando a Violência é Tudo

violência

 

Não há como uma criança sair ilesa de um contexto de vida no qual a violência – seja ela qual for – é o que dá tom das relações que ela tem. Não há como uma criança se safar de uma vida pautada pelo mau trato. Não há como imaginar que não haverá marcas, memórias, referências ou identificação quando a negligência ou o abuso (de qualquer ordem) estão constantemente presentes na rotina de um(a) miúdo(a).

Violência não passa com o tempo. Violência não se esquece. Violência não se ignora. Não se aprende com ela também.

Ao ler sobre relatos de adultos que hoje possuem uma série de dificuldades, como por exemplo, os que não conseguem estabelecer com o outro uma relação de alteridade ou uma relação que não seja pautada pela submissão, controle e agressão, não consigo deixar de pensar retrospectivamente em suas vidas: certamente marcadas desde bastante cedo pela violência – não preciso apostar nisso, infelizmente.

E quando tudo que se tem é violência, como ser outra coisa?

Quando NÃO devemos encaminhar a criança para psicoterapia?

Uma criança não deve fazer psicoterapia porque está indo “mal” no colégio

Avaliações apressadas da situação da criança podem conduzir a alguns erros de encaminhamentos também. Muitas vezes a escola e o baixo rendimento nela de fato são sintomas de sofrimento infantil, e nesse caso uma avaliação psicológica cuidadosa verificará isso e o atendimento psicoterápico se justificará. Entretanto, não podemos tomar isso como regra absoluta: não ter um rendimento esperado na escola pode ser consequência de vários fatores, incluindo problemas de ordem física como dificuldades de visão e audição, só para citar algum exemplo.

 

Uma criança não deve fazer psicoterapia porque está triste com a perda do bichinho de estimação

Perder alguém ou algum bichinho de estimação pode ser uma experiência muito difícil, entretanto é importante também entendermos a perda e a morte como algo que faz parte da experiência humana. E ainda, ficar triste com ela também é um processo esperado e saudável. É diferente quando se observa que o sujeito – criança ou adulto – não consegue se recuperar dessa perda e alguns sintomas aparecem como sinalizadores desse sofrimento.

 

Uma criança não precisa necessariamente de psicoterapia porque apresenta sintomas

Para muitos psicanalistas infantis a ausência completa de sintomas na infância não indica saúde como a maioria das pessoas está inclinada a pensar. Sintoma pode ser entendido como um sinalizador de sofrimento, um conteúdo amarrado a outro de ordem inconsciente, uma comunicação, ou seja, algo que sempre tem um sentido próprio. Desenvolver sintomas no decorrer do desenvolvimento é um recurso psíquico importante e que denuncia, inclusive, quando o sofrimento precisa ser acolhido, compreendido e tratado. Antes disso, não se espera que passemos todo nosso desenvolvimento imunes porque somos sujeitos nascidos de outros sujeitos cujas histórias também possuem marcas. Nasceu o irmão mais novo e o mais velho deu sinais de incômodo expressos por uma dependência maior ou uns escapes de xixi na cama? Isso pode estar comunicando que a chegada do irmãozinho está demando dele, mas não quer dizer necessariamente patologia.

Os encaminhamentos para psicoterapia devem ser avaliados com cuidado e de maneira contextualizada: muitas vezes se subestima o sofrimento infantil – como já discuti no Post https://conversadegentemiuda.wordpress.com/2015/04/28/por-que-uma-crianca-faz-psicoterapia/ – outras, no entanto, encaminha-se para a área da psicologia porque não se sabe ao certo o que fazer ou do que se trata aquela situação. De qualquer forma, um profissional ético poderá auxiliar inclusive na compreensão dessa demanda, isto é, se ela justifica ou não o atendimento psicoterápico. A dificuldade – e/ou a beleza – da vida é que tudo e todas as experiências possuem diversas facetas e cada sujeito vivencia de maneira única.

Lembra do primeiro item desse post, sobre ter baixo rendimento no colégio? Ele por si só não indica necessidade de tratamento psicológico, entretanto uma grande parte das crianças que necessitam do tratamento psicoterapêutico apresentam dificuldades de aprendizagem. Deu para entender, certo?

II Colóquio_Psicanálise e Sociedade

 

Entre os dias 16 e 18 de Novembro o curso de Psicologia da UNISINOS conterá com o II Colóquio Psicanálise e Sociedade e o foco desse encontro é na infância e na educação infantil. No dia 16, pela parte da manhã, mediarei a mesa “O trabalho da Psicologia em Diferentes Contextos da Educação” composta pelos convidados: Andressa Andrioli e Melissa Hickmann Müller (EDUCAS)
Georgius Cardoso Esswein e Carolina Machado Mombach (SEMEC Ivoti).

Mais informações: https://www.facebook.com/events/1665101543802399/

Promover, desenvolver e participar de espaços de discussão, reflexão, trocas e transformações é a cara da Psicanálise. Que satisfação fazer parte disso!

Ser o presente e Estar presente

Hoje podemos dizer que há o melhor presente do mundo, e diferentemente da minha posição mais comum, digo que esse presente pode ser generalizado: todas as crianças querem e precisam: você!

A presença dos pais na vida de seus filhos  virou um presente: Algo especial! Isso pode ser ótimo, tanto quanto pode ser um tanto assustador. Estar presente é fundamental para o desenvolvimento das crianças, é enriquecedor para o laço social e potencializa a condição afetiva dos miúdos. Mas, quando a presença das figuras mais importantes para os pequenos virou um presente? Numa perspectiva mais otimista e romântica, sempre o foi; numa perspectiva menos otimista, calcada nas observações diárias, virou um presente porque é raro, porque não é frequente, e justamente por ser algo incomum torna-se tão precioso.

Não soa estranho isso? Pai e mãe é como feijão com arroz: algo que se tem todos os dias, gostoso, nutritivo, comum e especial simultaneamente, que até parece ser enjoativo pela sua frequência – “Quem dera que hoje tivesse outra coisa para comer aqui em casa!” – mas que, quando falta, dá saudade, faz uma falta tremenda. Por incrível que pareça, criança (todas!) gosta e precisa do bom feijão com arroz, ou seja, precisa de você.

Você é o presente mais comum e especial, é o brinquedo mais incrível, é o caminho mais necessário, então, o negócio é investir em estar presente na vida do seu miúdo.

Feliz dia das crianças!

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