Esse texto foi escrito como meu discurso na abertura da Feira do Livro de Júlio de Castilhos, dia 14 de Outubro de 2021. Logo, o texto tem como característica uma fluidez adequada à expressão oral.

Inicialmente, gostaria de dizer do quanto gostei e fiquei surpresa com o convite para representar autores e leitores da cidade através do evento da Feira, o qual sei que exige muito investimento de tempo e afeto de todas as pessoas envolvidas.

E como não poderia ser diferente, nesse discurso de abertura vou falar sobre o slogan da Feira: Ler é um superpoder.

No primeiro momento, logo que li o slogan da Feira, ele me trouxe uma feliz proximidade com o  último livro, dedicado, a princípio, para o público infantil. Em seguida, pensei em um autor bastante relevante para área da psicologia e saúde mental como um todo, provavelmente vocês já tenham ouvido falar dele, Michel Foucault.

Esse filósofo francês, escreveu obras importantíssimas, como a História da Loucura e Vigiar e Punir, por exemplo. Contudo, quero especificamente falar de uma das suas principais ideias que é referente a noção de que o SABER, como noção de conhecimento, está relacionado com a noção de PODER. Segundo ele, quem tem o conhecimento detém o poder.  A perspectiva dele é bastante política, complexa e duramente realista. Mas não é sobre essa perspectiva que quero trazer ele, e sim poder dar uma conotação mais otimista a essa noção de conhecimento e poder, a qual em tudo relaciono com livros, pensar, com a feira do livro e com esse super poder que é ler – e ainda, não somente ler, mas conseguir pensar sobre o que se lê. E esse último ponto faz toda a diferença.

E como começamos a pensar?

Pode ser que muitos entendam que pensar é um ato natural do ser humano. Não é. Para pensar pensamentos é necessário estímulos de ampla ordem, desde comida a ler. Nossos heróis e heroínas precisam de um ambiente, um entorno, que alimente seus corpos e suas mentes. Ou seja, nossos heróis e heroínas precisam de uma rede de apoio, afinal o que seria do Batman sem o Alfred, seu mordomo fiel, atendo e cuidadoso?

E falando em heroínas, essa ideia de um ambiente que apoia fica ainda mais explícito para nós no primeiro filme da franquia “Mulher Maravilha”, no qual Diana, princesa oriunda de um reino de amazonas as quais tem como uma das missões formar e cuidar das meninas e das futuras guerreiras, além de contar com essa origem, fica explicitado o notável apoio que essa super heroína recebe de uma equipe pouco provável a qual encontra quando ela vem para o mundo dos humanos. Por que falo tudo isso?

Porque ler é um poder incrível mesmo e pode ser um superpoder, desde que também encontre um apoio, um acolhimento para se desenvolver.

Ler é algo que propicia viver outras vidas, alimenta e desenvolve a condição de pensar. E quem pensa, escolhe. Quem escolhe, não é escolhido. E quem não é escolhido tem capacidade para se responsabilizar pelos caminhos que circula – em psicanálise, que é com o que trabalho, é disso que tratamos TODOS os dias com miúdos e grandes também.

Os livros são verdadeiros salva-vidas.

Quando eu estava no ensino médio eu me sentia especialmente deslocada, isso ainda mais claramente no terceiro ano. Para onde eu ia? Para a biblioteca do colégio.

Já bem menos deslocada, na faculdade, vivia eu pela biblioteca também. Adorava. Era conhecida das bibliotecárias. Li Os Lusíadas, Divina Comédia – que não consegui terminar, diga-se de passagem! – poesia nacional, literatura regional. Os livros foram me aproximando das pessoas, de mim e de pensar cada vez mais. Fui desenvolvendo meus super poderes.

A leitura acolhe quem se sente deslocado. Dá assas para quem quer voar. Propicia o encontro também. A leitura te integra ao mundo.

Lendo a gente começa a pensar que escrever é uma alternativa possível. Fiquei pensando também nessa pergunta: Por que precisamos escrever?

A escrita possui diferentes funções no mundo, desde diários pessoais, puramente catárticos, até, comunicações científicas ou políticas, as quais geram impactos globais. A escrita é para quem escreve principalmente porque ela é o ato final em si. Depois que está escrito o texto não é mais seu, ele já não pertence mais a você ou ao seu entendimento exclusivamente.

Quando escrevo eu tiro de mim: não mais sou eu ali, é outra coisa, tem uma outra vida. Vida própria. Enquanto está em mim, inquieta-me; já no papel, leio com certa surpresa, como se fosse uma primeira vez com certeza.

Para escrever precisamos de um estado de solidão habitada por um universo. Parece um paradoxo, e talvez seja. Estamos sós, cheios de pessoas dentro. É um ato de achar uma voz a ser evocada, calar outras tantas que só fazem burburinho. É silencioso e intenso. Vazio e completo. Povoado e solitário. É o próprio paradoxo o tempo todo.

Escrevemos para alguém, imaginário, interno ou externo, sempre há uma presença “escrever não é um ato solitário.” (MEIRA, p.237) e é uma potente ferramenta para alcançarmos a elaboração de dificuldades, sofrimento ou até mesmo dar conta de eventos traumáticos, como é o caso da incrível Clarice Lispector.

Pronto, por que ler é imperioso? Porque oferece uma passarela para uma vida possível: acolhe, identifica, dá um cenário, alcança esperança, faz crescer. Ou seja, nos torna muito poderosos!

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