Certo dia ouvi o seguinte comentário: “Quando se tem filhos, todos os dias são dias úteis!”. Essa frase, proferida por um pai em tom de desabafo, referia-se a um contexto no qual esse homem comentava que suas horas de sono diminuíram significativamente, finais de semana a rotina é muito parecida com todos os demais dias da semana e as responsabilidades também são as mesmas, ou seja, nessa relação – assim como em muitas outras, mas especialmente nessa – não dá para dar “dar um tempo” ou o famoso sétimo dia de descanso.
Isso e uma recente reportagem de uma revista conhecida, cuja capa trás o questionamento sobre a compatibilidade de ser feliz e ter filhos, fez-me pensar no quanto, possivelmente, esses homens e mulheres não conseguem apreender mais realisticamente o que é o processo de parentalidade e, com isso, todas as implicações que esse novo papel possui em si.
É recorrente escrevermos e falarmos sobre as dificuldades que as crianças passam em seus contextos familiares, e muito pouco, detemo-nos a refletir sobre as dificuldades dos adultos frente a essa nova função – porque a cada filho, primogênito ou não, novos espaços psíquicos se inauguram. Penso que quando nascem os filhos, nascem os pais, e esse nascer implica em toda uma transformação que acontece concomitante com o desenvolvimento dos seus pequenos rebentos. Nascer como pai e como mãe pode ser uma experiência intensa e complexa e isso começa a se tornar evidente quando as dificuldades que começam a emergir quando testemunhamos esses momentos de desabafo, os quais, muito mascarados e pouco discutidos, podem gerar – e muitas vezes, geram – olhares repreensivos sobre esses pais cansados e a partir desse olhar, culpabilizado por não sentir-se feliz integralmente com a experiência de ser pai ou ser mãe.
Factualmente, cá entre nós, não existem formas de se preparar para a experiência de parentalidade. Entretanto, quando se nasce pai e mãe, viver essa experiência emocional de uma maneira mais plena é possível e dentro disso, pensar abertamente sobre as dificuldades e as limitações afetivas e de disposição é plenamente cabível e saudável, até mesmo porque o ditado “padecer no paraíso” não deve ser mais o suficiente. Esse “paraíso” deve conseguir abarcar o gozo das funções parentais e o tal padecimento deveria ser igualmente integrado à experiência. Ou seja, as características do extremo ao paraíso, o inferno, deveriam poder conviver sem culpa dentro desses pais.
Dessa forma, talvez não devêssemos idealizar o paraíso, nem tampouco fugir do inferno, talvez a medida seja deixar os pés – e os afetos – no meio, em terra, por exemplo.