Vou ousar afirmar: Saudade é uma espécie de idealização.
Pense bem: do que você sente saudade?
De quem você sente saudade?
De qual lugar você sente saudade?
É possível listar tantas coisas, pessoas, situações, contudo uma primeira hipótese a ser analisada seria: se fossemos viver uma determinada situação passada hoje, será que não acabaria com o sentimento que protege essa lembrança, a saudade? Vamos mais adiante.
Pensemos nos momentos felizes da infância ou da adolescência, contudo quem voltaria de fato?
Quem tem claro para si o que é ser uma criança? Ou um adolescente? Seguiria vigente a ideia de que se trata de uma “Época de inocência”?
Provavelmente não, pois são épocas de muito trabalho e angústias, afinal você pensa realmente que é fácil aprender a andar, falar e ainda dar conta de uma série de expectativas alheias?
E sobre as pessoas das quais sentimos saudades:
Sente-se saudade de quem morreu, de quem está longe, com quem se rompeu, etc., entretanto, novamente, do que se sente saudade exatamente?
A lógica que desenvolvi acima também caberia aqui, mas é possível ir mais longe. Se pensarmos na pessoa que morreu, antes de sua morte o que se fazia com ela, quantas brigas se teve com ela? E as “manias”, rixas, disputas, discussões, e até mesmo o que se considera como “falhas de caráter”? É interessante como todas essas partes feias ou ruins morreram com ela, não é? E, então, o que fica? A saudade de uma pessoa que não era real – uma idealização na grande parte dos casos. A morte segue um tabu e morrer pode dignificar muitos.
Pessoas que se afastam ou que afastamos, por qual razão foram para longe e que na época eram imprescindíveis, podem gerar muitas horas de uma saudade dolorosa, a qual corrói por dentro.
Sendo intensamente sincero, como poderíamos pensar nisso tudo? Talvez sinceridade não seja a palavra mais adequada, mas então, será que, em algum momento, teríamos distanciamento suficiente para olhar para a relação em questão?
A saudade pode aplacar defeitos, apagar os erros e exaltar qualidades. Não que isso seja necessariamente ruim – a humanidade é assim –, mas, o fato é que, não é uma forte aliada da realidade, seja ela externa ou interna.
Talvez isso tudo seja bom, muito provavelmente seja necessário para elaborarmos nossos lutos diários. Talvez só assim seja possível viver.
Saudade não é ruim, nem é patológica, muito menos fácil de dispensar, o perigo abriga-se quando ela toma conta de todas as memórias, quando ela que é uma parte da vida se torna um todo. Saudade é a imagem de algo ou de alguém que guardamos dentro de nós desprovida de senso crítico, sem responsabilidade ou comprometimento com a verdade. É uma idealização, necessária possivelmente, ora elaborada, ora mal resolvida.
De qualquer maneira, que a saudade possa continuar sua saga, afinal, justiça seja feita, é ela quem mantém as coisas no lugar, ou seja, no passado.
Por
Bibiana Godoi Malgarim