A escritora gaúcha Lya Luft já disse: é preciso se achar o tom.
O tom da “nossa linguagem, da nossa arte, e – isso vale para qualquer pessoa – o tom da nossa vida. Em que tom a queremos viver? (não perguntei como somos condenados a viver.)” (2003, p.14). Continua arrebatando com suas palavras e nos remetendo a pensar: o fato de sermos os próprios afinadores e artistas que buscam seu equilíbrio, seu tom.
Utilizando-se dessa incrível escrita de Luft (2003) a metáfora se torna simples – possivelmente, até demais – ao lançar-se a questão do jovem psicólogo que busca construir uma identidade profissional: qual é o seu tom?
Logo nos primórdios da teorização freudiana já era situado a importância do terapeuta no processo psicoterápico, sendo isso revelado em seu artigo “Sobre a Psicoterapia” (1904), no qual o autor – Freud –, cita: “doenças não são curadas pelo medicamento, mas pelo médico, ou seja, pela personalidade do médico, na medida em que através dela ele exerce uma influência psíquica.” (Freud, 1904).
Posteriormente, o autor em seu artigo “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise” começa (ou continua) a trilhar os caminhos sobre a técnica que deveria ser seguida, isto é, tenta situar as habilidades e necessidades que um terapeuta deveria ter para o exercício da psicanálise, pontos estes que serão mais tarde amplamente discutidos por diversos estudiosos respeitáveis.
Dentre as regras básicas que Freud (1912) expõem, tem-se a princípio uma das questões fundamentais dentro da psicanálise: a atenção flutuante. Ou seja, é a capacidade de escuta que o analista deve ter não privilegiando a priori qualquer elemento do discurso do paciente, o que implica em deixar seu próprio inconsciente livremente trabalhando e deixar de lado as motivações pessoais que dirigem sua atenção.
Relevante também nesse mesmo texto freudiano é a questão da “ambição terapêutica” (Freud, 1912, p.128), isto é, a busca pela produção de efeitos sobre seu paciente de maneira inadequada (por exemplo, excessivamente rápido, não respeitando o tempo que o paciente precisa), da mesma forma como coloca a questão da “ambição educativa” (Freud, 1912, p.132) em que o terapeuta busca incrementar as intervenções com incentivos à sublimação sem levar em conta o desejo ou a possibilidade de seu paciente realizar tal feito. Ambas as ambições não levam a um resultado positivo ou produtivo de fato, sendo claramente desaconselhadas por Freud (1912).
Finalmente, outro ponto a ser pensado devido a sua importância é o que Freud (1912) postula como a capacidade do terapeuta voltar seu próprio inconsciente, “como órgão receptor” (Freud, 1912, p.129), na direção do inconsciente do paciente, ou seja, o par deve estar sintonizado, um disposto a colocar-se a serviço da escuta e análise e outro da fala e processamento. Para isso, surge mais um ponto fundamental: a preparação desse terapeuta através de sua própria análise.
Todos esses pontos assinalados pelo Pai da Psicanálise são, até hoje, fundamentais na formação dos psicoterapeutas, porque tão importante quanto a técnica em si, é o profissional sentir-se habilitado para executar a tarefa única que é ser psicoterapeuta. Ainda, salienta-se que após Freud outros teóricos contribuíram de maneira substancial e singular nesse quesito, tais como Antonino Ferro, David Zimerman e Contardo Calligaris, para citar alguns exemplos atuais.
E então, já foi possível achar o seu tom?
Referência:
Freud, Sigmund. (1901-1905). Um caso de histeria Três Ensaios sobre a sexualidade e Outros trabalhos. Vol. VII. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
_____________. (1911-1913). O caso de Schreber Artigos sobre a Técnica e Outros trabalhos. Vol. XII. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
Luft, Lya (2003) 3a ed.. Perdas & Ganhos. Rio de Janeiro: Record.